Muitas já desapareceram e outras estão em vias de ser demolidas, mas Lisboa chegou a ter 350 pátios e vilas, habitações que salvo raras excepções foram construídas em finais do século XIX, inícios de XX, para as classes mais pobres. O Corvo propõe uma visita pelas vilas que ainda existem, como é o caso dos Pátios do Alto Varejão.
Texto: Fernanda Ribeiro Fotografia: Carla Rosado
No Pátio 5, do Alto do Varejão, cheira a cravos que Açucena de Matos vai plantando enquanto não for abaixo a casa onde mora, perto do Convento de Santos-o-Novo e do antigo Forte de Santa Apolónia. Açucena paga uma renda que dir-se-ia não ser possível: 55 cêntimos, a mesma quantia irrisória de há 47 anos, quando para ali foi viver com o marido.
“Eu sei que não é nada, mas, quando vim para cá, era um dia de trabalho de um homem”, diz a antiga mulher-a-dias. O senhorio já lhe comunicou entretanto o aumento para “300 e tal euros”, mas Açucena diz que não conseguirá pagar essa verba. O marido, que era pintor da construção civil, morreu há 10 anos e “400 euros é todo o dinheiro que tenho de pensão”, adianta.
Com quase 78 anos, a completar em Novembro, Açucena sabe que não faltará muito para que seja despejada do Alto do Varejão. “Diz que isto vai abaixo, para passar aqui uma estrada. Antigamente, a mãe do senhorio, o Dr. Bernardo Alegria, queria fazer aqui um chalet, mas agora…parece que há outros planos”. E quando eles forem concretizados, os moradores de outras três casas, das cinco ali existentes, também serão obrigados a sair.
Do pátio, com uma localização privilegiada, na encosta, vê-se o Mar da Palha. Junto à casa de Açucena há árvores de fruto, uma figueira, um pessegueiro e muitas plantas que esta moradora faz questão de manter.
“Quando para cá vim, isto era uma barraca de madeira. Eu e o meu marido é que mandámos compor. Não tínhamos água, nem esgotos. Nós é que fizemos tudo”, afirma. Mas tem consciência de que fez obras no que não lhe pertencia. “Eu sei que isto não é meu. Gastei os tostões que tinha juntado, mas sei bem que isto é do senhorio, o Dr. Bernardo, que é dono de muitas casas no Alto do Varejão”.
O sol que invade o pátio 5 parece brilhar menos no pátio 3, onde a entrada é bem mais desoladora. É lá que vive há mais de 45 anos Maria das Dores Ferreira, agora com 72 anos. “Vim para cá antes do meu filho nascer. Na altura, havia quatro inquilinos aqui a morar, mas hoje… já só estamos nós”, contou ao Corvo. A porta ao lado, onde antes existiu um ferro-velho, está já fechada, por ordem do senhorio, disse ainda.
A instalação de água e esgotos, a colocação de telhado e chão e a construção de uma casa de banho na habitação foram encargos que Maria das Dores assumiu quando foi viver para o Alto do Varejão. Nas traseiras da casa, que tem três divisões amplas e um quintal grande, mantinha uma horta e criação, mas hoje já não tem forças para tanto, embora ainda ali cultive algumas verduras.
Por esta casa pagava de renda, até há bem pouco, 81 cêntimos. Com a nova lei do arrendamento, foi aumentada, mas o valor ficou ainda dentro das suas possibilidades: “O senhorio pedia 180 euros, mas como o meu filho está sem trabalho e apresentou a declaração das Finanças, ficou nos 140 euros”.
É da falta de condições de salubridade que Maria das Dores se queixa. “Não me chove em casa, mas no quintal, onde antes havia uns armazéns e um ferro velho, aparecem ratazanas que metem medo”, diz.
Antes, sentia-se ali a viver na cidade como na província. “Agora está-se aqui pior do que na província. Lá há outras condições e outro convívio”, diz Maria das Dores, que parece não temer ter de sair da zona onde mora, caso se concretizem os planos de demolição dos pátios do Alto do Varejão.“Quem nos dera a nós que isto levasse uma volta”.