Uma minuciosa paixão pelo tempo
REPORTAGEM
Francisco Neves
Texto
João Paulo Dias
Fotografia
VIDA NA CIDADE
Campo de Ourique
16 Junho, 2014
Olhando para a montra, sóbria, é fácil passar-lhe ao lado. Mas um pouco de atenção mostrará que para lá da vidraça se acomodam pequenos objectos de uma beleza antiga, tão discretos quanto distintos. São relógios. Relógios de pulso do século passado, com formas, desenhos e fundos esmaltados que hoje são raros.
Perduram graças ao trabalho minucioso e sério de Pedro Machado, um designer gráfico de 49 anos, que se apaixonou pela beleza destas mecânicas compactas e se entregou a tempo inteiro ao seu restauro e comércio, na loja Lugar do Tempo, na Rua Francisco Metrass, 14B, em Campo de Ourique.
Do designer perdura a letra bem desenhada com que toma apontamentos, usando uma caneta de tinta permanente. Mas há mais de 15 anos que se dedica aos relógios a tempo inteiro. “Em 1999 estava com a Companhia de Teatro de Almada e lá conheci o importador de uns relógios russos para quem fiz a apresentação em Portugal. A fábrica gostou do stand que montei e convidaram-me a trabalhar com eles, em Moscovo”.

Foi o salto para alguém que sempre teve atracção pela mecânica e por reparar coisas avariadas. “E sempre gostei de relógios. Há nestes mecanismos como que uma mística. O tipo que mexe com relógios é como um feiticeiro”, comenta. Com a experiência russa as coisas mudam: “Comecei a interessar-me mesmo a sério pela mecânica e por toda a parte técnica do relógio”.
Pedro Machado gosta de relógios antigos. Sobretudo relógios de bolso e de pulso, do século passado até aos anos 70. Na montra podem ver-se, entre outros, um “Longines” dos anos 40, um “Breitling Navy Timer” dos anos 50 ou um “Omega Speedmaster” dos anos 60. Mas há mais. Como uma série de relógios de pulso militares, como o primeiro “Rolex” ou um “Patria” suiço, ambos da Primeira Grande Guerra. Entre os exemplares à venda estão relógios usados pelo exército dos EUA na Segunda Guerra Mundial. Apenas um elemento não é de origem: “As braceletes. Vieram dos produtores de braceletes dos relógios usados nos filmes de guerra do Steven Spielberg”.
O restaurador não faz tudo sozinho. Considera-se completamente à vontade a restaurar qualquer relógio clássico suiço, americano ou alemão. “Quando tenho alguma dúvida vou perguntar”. Tem diversos colaboradores, pois é uma arte que junta muitos saberes. Há quem faça caixas de madeira para os relógios grandes, quem restaure os mostradores ou os esmaltes ou quem faça vidros.
Hoje vai-se tornando mais difícil encontrar algumas peças. “Quando comecei, por exemplo, ia-se à Baixa e arranjava-se tudo. Hoje em dia, não.” Exemplo disso, conta, é a falta de cordas, que já não se fabricam em Portugal. Machado tem milhares delas em gavetas mas, mesmo assim, queixa-se de que “há uma falta desgraçada”. As pequenas fitas de aço enroladas são “o coração desta coisa”….

O homem do Lugar do Tempo leva os pormenores a sério. Na sua pequena oficina, chega a ter ferramentas de época, como é o caso de um torno de pedal. Também tem um eléctrico, mas este dá-lhe outro gosto.
Actualmente, com os hábitos nascidos da crise, o negócio centra-se mais no arranjo que na compra e venda de relógios. Machado não quer falar em preços. Mas diz que se nota não haver tanta procura do relógio clássico de colecção. O cliente típico é a pessoa que tem uma peça deixada por um familiar, ou que veio ter com ele, e que a quer pôr em condições de uso.
Os relógios antigos, sem pilhas e precisando de corda regularmente, são equipamentos que precisam de manutenção. “A peça tem que estar limpa, ajustada, lubrificada. É como mudar o óleo de um carro.”