Crónica
Íamos a descer a Rua Garrett, distraídos com as montras e o movimento das pessoas. Era o fim da tarde, os últimos raios de sol a bater no Castelo, por cima dos Armazéns do Chiado. De repente, fomos interpelados por uma mulher de túnica vermelha que trazia na mão uma pasta azul de plástico.
– Gostam de poesia?
Sem esperar pela resposta, abriu a pasta e tirou lá de dentro uma folha A-4 com dois poemas escritos em letra de computador.
– Escrevi-os hoje de manhã.
Parecia estar a vender castanhas, “quentes e boas”. Mas não: era poesia – uma poesia de “fabrico próprio”, como os bolos de algumas pastelarias, assinada por uma mulher de trinta/quarenta anos, lábios pintados e unhas arranjadas.
– São um pouco tristes, comentou a Maria João acerca dos poemas.
A autora não confirmou nem desmentiu.
– Quanto está a pedir por eles? – perguntei.
– No mínimo dois euros. Não aceito menos.
Nunca tinha regateado preços com um poeta.
– Tenho apenas um euro, retorqui.
A mulher voltou a abrir a pasta e entregou-nos outra folha, só com um poema. Ato contínuo, arrecadou a moeda de um euro e bazou pela Rua Garrett acima, na direção da “Brasileira” e do Camões. O poema tem versos assim: “Insubmissa/Tenho por bussola/A inquieta sede”.
Texto: António Caeiro