Milhares de pessoas circulam diariamente numa corrida constante para apanhar os transportes públicos num dos interfaces mais importantes da cidade de Lisboa: Sete-Rios. Neste movimento apressado para apanhar o metro, o comboio, o autocarro ou táxi, o transeunte não está isento de riscos resultantes das barreiras existentes num local com 45 passadeiras e 15 escadas. “A rede de percursos pedonais da Interface de Sete-Rios não é acessível”, alerta o Plano de Acessibilidade Pedonal de Lisboa – Articulação com a Rede de Transportes Públicos”, documento que é conhecimento do presidente de autarquia, António Costa, desde Julho de 2013.
O interface de Sete-Rios é apenas um exemplo do desajustamento entre o funcionamento dos transportes públicos na capital e os seus utentes. As situações de “desfasamento” no interface de Sete-Rios já tinham sido assinaladas em 2011, num relatório do Núcleo de Acessibilidade Pedonal, do departamento de Planeamento e de Mobilidade e Transportes da autarquia.
“No decurso dos trabalhos de campo, foi possível observar, em diversas ocasiões, os peões a atravessar a faixa de rodagem fora das passagens de peões de superfície”, refere o trabalho que serviu de base para a elaboração do plano, adiantando: “Este comportamento é indicador de um desfasamento acentuado entre as linhas de desejo do peão (que correspondem à ligação mais curta, cómoda, natural entre dois pontos de um percurso) e as linhas convencionadas para esse efeito, através de passagens de peões de superfície.
” No contexto deste interface, a situação assume maior perigo na Praça Marechal Humberto Delgado, onde a intensa passagem de peões se conjuga com velocidades elevadas nos veículos. Pouco foi feito na resolução dos problemas encontrados. Há passeios revestidos a calçada de vidraça de fraca qualidade, sem nenhum valor patrimonial e degradada. Tais situações podem causar aqueda para os peões, a que se juntam “as descontinuidades na rede para os mais vulneráveis às barreiras”. Os acessos para pessoas com mobilidade condicionada são praticamente inexistentes.
“A importância de promover a acessibilidade pedonal na interface de Sete-Rios é proporcional à importância que esta interface tem na rede de transportes públicos de Lisboa. E o facto de a eliminação das barreiras não levantar dificuldades construtivas, nem custos desproporcionados, tornará possível obter um grande impacto com um investimento reduzido”, sublinha o documento.
Relativamente aos operadores de transportes públicos na capital, embora o Plano de Acessibilidade Pedonal de Lisboa ressalve que “não é pretensão da CML efetuar uma auditoria”, as observações feitas não deixam de ser pertinentes. É possível constatar que a informação em tempo real ao utente, na espera do próximo autocarro, apenas existe em 17 por cento das paragens, enquanto a Transtejo/Soflusa instalou em 88 por cento das estações.
No metropolitano, existem 52 estações, num total de 209 escadas mecânicas, 95 elevadores e 10 tapetes rolantes, sendo que apenas 31 estações têm acessibilidade plena a utentes de mobilidade reduzida.
Um caso citado no plano reveste-se de particular interesse, pois está relacionado com a venda de bilhetes na Carris e na Transtejo. “Verifica-se uma clara lacuna”, refere o plano de acessibilidade: “não existem postos de automáticos de venda de bilhetes, mas apenas os quiosques, que só estão abertos em horário de expediente. Só nos casos de bilheteira integrada é possível utilizar os postos dos outros operadores, tornando-se bastante incómodo para os utilizadores exclusivos dos operadores rodoviários.
” Na Carris, no Metro e na Transtejo, existe um elemento em comum, nenhum dos operadores tem paragens/estações com pavimento táctil direcional, pavimento que permite uma melhor orientação das pessoas total ou parcialmente invisuais no espaço urbano.
Pedro Homem Gouveia, que coordenou o plano de articulação pedonal com a rede de transportes públicos em Lisboa, reconhece constrangimentos na execução das intervenções para melhorar a situação. Nesse sentido, não poupa a classe política, referindo que existem “decisores políticos com pouca sensibilidade e empenho nas questões de acessibilidade e muito resistentes à mudança.”
A equipa que elaborou o documento refere que, em muitos casos, a legislação e a fiscalização não são cumpridas. “ Existe também alguma falta de vontade no seu cumprimento. O código também tem problemas de aplicabilidade no meio urbano”, afirma o especialista.
A ausência de “uma linguagem comum” entre as diversas entidades no sector dos transportes públicos constitui igualmente uma limitação na concretização de uma política integrada no sector de modo a satisfazer os utentes.
Texto e fotografias: Mário de Carvalho