Será possível envolver mais os cidadãos nas grandes decisões da cidade de Lisboa?
As obras de requalificação da Segunda Circular, iniciadas nesta semana e que deverão durar cerca de um ano, têm estado no centro da discussão política, nos últimos meses. As trocas de argumentos sobre os benefícios e malefícios da grande intervenção, bem como daquela que está em curso no Eixo Central, vêm enchendo páginas de jornais e mobilizado diversas correntes de opinião, com as eleições autárquicas de setembro de 2017 em pano de fundo. A realização da obra até se enquadra nas linhas definidas pelo Plano Director Municipal (PDM), mas, para lá das discordâncias políticas, há quem ache que se deveria ter auscultado primeiro a população da cidade sobre a sua necessidade.
“No caso da intervenção na Segunda Circular, achamos que os cidadãos deveriam ter sido ouvidos e que há outras prioridades na cidade antes de se avançar para um projecto que custará 12 milhões de euros. Antes de se resolver o problema dos carros, haveria necessidade de criar ali uma via para uso exclusivo dos transportes públicos”, diz ao Corvo Irina Gomes, responsável pelo Grupo de Ordenamento do Território e Mobilidade na associação ambiental GEOTA (Grupo de Estudos do Ordenamento do Território e Ambiente). “As pessoas têm o direito a dizerem quais as coisas que querem ver feitas, em primeiro lugar, na sua cidade, e não ser colocadas perante factos consumados”, diz.
A sua associação quer relançar a discussão sobre a democracia participativa na definição das políticas de cidade em Portugal e em Lisboa e, por isso, organiza, juntamente com a associação portuguesa Locals Approach e a islandesa Citizens Foundation, o encontro Iniciativa para o Potencial Urbano, a 9, 11 e 12 de julho, que se divide em três iniciativas. A mais importante das quais será a do primeiro dia, a conferência e workshop a decorrem na Faculdade de Arquitectura de Lisboa, na Ajuda – depois, no dia 11 (segunda-feira), haverá lugar a troca de experiências entre associações, nas instalações da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental, também na Ajuda, e, no dia 12, realizar-se-á um debate na Associação Rés-do-Chão, na Rua Poço dos Negros.
A conferência do dia 9 (sábado), no qual participam, entre outros, a vereadora da Habitação da Câmara Municipal de Lisboa, Paula Marques, e a presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, Helena Roseta, parte da premissa de que “os processos de planeamento serão tão mais bem sucedidos quanto melhor souberem auscultar a realidade a que se aplicam e quanto mais inclusivos forem no desenho das suas propostas técnicas”. Nessa discussão participará também Gunnar Grímsson, da Citizens Foundation, organização não governamental islandesa surgida após a crise financeira de 2008 e que, mobilizando um grande debate, influenciou a definição do programa municipal da capital, Reykjavik, na sequência das eleições autárquicas de 2010.
O que o Geota pretende para Lisboa, e o resto do país, é algo semelhante. “Passamos a vida a correr a denunciar o que está mal feito. Mas o que queremos é mudar esta forma de actuar e começar a fazer um trabalho de base para influenciar a forma como se faz a cidade. O objectivo é que as pessoas participem numa fase anterior à tomada de decisão política”, defende Irina Lopes, que, embora elogie os princípios subjacentes ao Orçamento Participativo (OP) de Lisboa – o qual, desde 2008, distribui 1,5 milhões de euros das despesas anuais do município a projectos votados por sufrágio popular -, considera haver ainda muito por fazer para “envolver a comunidade na tomada de decisões que lhes dizem respeito”. “O OP é bom, sobretudo pela mensagem de abertura que transmite, mas é muito insuficiente, pois estamos a falar de uma verba que representa 0,1% do orçamento municipal”, diz.