O vereador com o pelouro das questões ambientais, José Sá Fernandes, diz que a Câmara Municipal de Lisboa está a estudar a possibilidade de criação de um regulamento que contemple “a proibição de venda de bebidas alcoólicas para consumo na rua, a partir de certa hora”. Esta seria uma das formas encontradas para tentar minimizar o persistente ruído causado por grupos de pessoas que buscam diversão nocturna em determinadas zonas da cidade. O autarca não adianta, porém, mais informações sobre a hipotética alteração regulamentar – que visaria mitigar as continuadas queixas dos grupos de moradores dos bairros mais afectados pelo barulho feito fora de horas -, nem sobre a sua abragência geográfica.
A declaração do processo de intenções surgiu durante a reunião pública descentralizada do executivo municipal, realizada na noite de quarta-feira, no Centro Cultural Dr. Magalhães Lima, em Alfama, destinada a ouvir, sobretudo, os munícipes das novas freguesias da Misericórdia, Santo António e Santa Maria Maior. E foram, precisamente, questões relacionadas com a difícil convivência de pólos de diversão nocturna em áreas residenciais as que mais queixas motivaram por parte das pessoas – logo seguidas pelos problemas de estacionamento, muitos deles decorrentes dessas actividades. Ouviram-se relatos desesperados de quem não consegue dormir, estacionar o carro e sair da garagem ou, tão somente, teme pela segurança da família.
Depois de escutar tudo isto, Sá Fernandes reconheceu razão aos queixosos, até porque eles apenas reiteram lamentos antigos e veementes. Aliás, o vereador lembrou o grupo de trabalho criado, no final do mandato anterior, para resolver o problema do barulho nos bairros históricos, mais especificamente do Bairro Alto e do Cais do Sodré. Surgido em Outubro de 2012, por iniciativa do PSD, o grupo composto por câmara, moradores, comerciantes, PSP, Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE), juntas de freguesia e bombeiros, apresentou, em Julho de 2013, uma série de medidas para tentar minimizar o efeito da actividade dos bares, discotecas, restaurantes e esplanadas dessas zonas.
Entre elas contava-se a apreensão de equipamentos sonoros dos estabelecimentos que excedessem o limite do ruído para o exterior; o reforço da fiscalização e policiamento, visando o cumprimento dos horários; a proibição, no Cais do Sodré, da venda de bebidas alcoólicas no exterior dos estabelecimentos; ou ainda a “obrigatoriedade de garantir que o ruído do interior dos estabelecimentos não se propague para o exterior, mantendo, se essa for a solução, portas e janelas fechadas”. A estas poderiam seguir-se outras medidas, consoante a avaliação que se viesse a fazer da sua aplicação. Logo na altura, residentes e donos de hotéis criticaram o pacote de iniciativas, apelidando-as de “dispersas e inconsequentes”.
Agora, o vereador vem admitir que os resultados são insatisfatórios, até porque a raiz do mal estará noutro lugar, diz. “O grande problema que temos perante nós são as pessoas que passam na rua, a altas horas, aos gritos”, afirmou, anteontem, José Sá Fernandes. “Isso resolve-se de várias maneiras. Não temos uma varinha mágica para o fazer. Mas passa, essencialmente, por três caminhos: a proibição de venda de bebidas alcoólicas para consumo na rua, a partir de certa hora, que estamos a estudar; a insonorização e ainda a restrição dos horários de funcionamento dos estabelecimentos”, afirmou. O autarca disse esperar ainda que a tão aguardada videovigilância do Bairro Alto entre em funcionamento, em breve, assumindo um importante papel dissuasor.
Sobre a sua proposta de proibição de venda e consumo de bebidas na via pública – cuja aplicação havia já sido sugerida, no verão passado, pela Associação de Moradores do Bairro Alto, depois de apresentadas as medidas definidas pelo grupo de trabalho –, o próprio autarca lançou dúvidas: “Nem isso, em muitos sítios, resultou. Veja-se o fenómeno do bótellon”. Mas a ideia voltou a ser defendida sem reservas por Carla Madeira, presidente da Junta de Freguesia da Misericórida, onde se incluem Bairro Alto, Bica, Santa Catarina e Cais do Sodré, tal como já havia proposto, a 29 de Novembro, em declarações ao Corvo – que, no final da referida reunião, tentou obter esclarecimentos sobre o assunto junto do vereador, tendo este recusado falar.
Já Luís Galvão, da associação de moradores do Cais do Sodré – Aqui Mora Gente, que também esteve na reunião de quarta-feira, ficou pouco impressionado com o anúncio feito por Sá Fernandes. Isto apesar de defender a necessidade de se adoptarem medidas mais restritivas do consumo de álcool na rua. “Ele disse aquilo, mas acho que foi de improviso. Na verdade, a câmara não pode fazer muito nesse campo. E proibir o consumo na rua seria uma restrição dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Só a Assembleia da República, onde pensamos levar tal proposta, pode legislar nessa matéria. Este é um problema que não é só de Lisboa, mas de várias cidades do país”, diz o advogado, que, no final da reunião de anteontem, se dirigiu a António Costa. “Fiquei com a percepção de que ele não quer resolver este problema”, afirma.
Texto: Samuel Alemão