Cada vez mais, a identidade de alguns bairros históricos de Lisboa começa a estar marcada pelo trabalho dos modernos artesãos que escolheram ser fiéis às artes tradicionais. O Corvo foi à Mouraria, para descobrir o trabalho da ceramista Maria Caetano.
Texto: Rui Lagartinho Fotografias: Paula Ferreira
A Calçada de Santo André é um local estratégico, de passagem dos turistas que gostam de enfrentar as colinas de Lisboa. Antes de virarem à esquerda e seguirem para o Castelo, irem em frente, para Alfama ou para a Feira da Ladra, ou enfrentarem outra calçada que os deixa no Miradouro da Graça, muitos – para recuperarem o fôlego ou movidos pela curiosidade – detêm-se a meio do arruamento. É lá que está o atelier-loja da ceramista Maria Caetano.
Lá dentro, mergulham num mundo de sardinicos (sardinha + manjerico) e de sardinhas vendedoras de balões, alguns dos azulejos mais icónicos desta artesã ceramista formada na Escola António Arroio, com mestres como Aldina Costa, Susana Barros e, claro, Querubim Lapa.
“Às vezes, à hora do almoço, o mestre Querubim deixava-me ficar, sem ninguém saber, nas oficinas da escola e dizia: ‘experimenta, diverte-te’. E essa postura foi fundamental na forma como desenvolvi o meu trabalho”, explica-nos, enquanto se mostra disponível para os ocasionais visitantes, prestando-se a interromper o seu trabalho. No dia em que o Corvo a visitou, terminava um painel abstracto de cores fortes, encomendado por uns noivos que queriam que os pequenos azulejos que o formavam fossem, depois, repartidos por cada um dos convidados do seu casamento no Alentejo. Bate certo, afinal os azulejos sempre fizeram a sua história virados para o sol e para o sul.
As paredes do espaço exíguo da oficina exibem as várias experiências com moldes imaginados e depois enchidos, em peças mais tradicionais onde brinca com a tradição dos anjos papudos na azulejaria portuguesa ou em trabalhos mais experimentais – onde o resultado é sempre decidido pelo fogo, “que é quem resolve e determina o sucesso, a identidade de qualquer trabalho.”
Maria Caetano sente que, cada vez mais, há um interesse em relação ao trabalho dos ceramistas artesanais e um apurar do gosto pelo regresso ao azulejo como forma de revestimento de fachadas. Mas, depois, “há tanta burocracia por parte da autarquia e tanta exigência, que se distancia da realidade prática, que as pessoas desistem.”
A ceramista tem participado e dinamizado várias oficinas em que gere o trabalho de vastas equipas de gente dos bairros populares que se unem pelo prazer de fazer. Foi assim que nasceu a escultura-árvore que dá identidade à fachada do Café do Largo no Intendente ou o painel da Nossa Senhora da Saúde, num primeiro andar da Rua do Benformoso, na Mouraria: “Estas acções, que parecem pontuais, prolongam-se no tempo. As pessoas ganham consciência do valor do património incrustado na parede e podem contribuir para estancar a destruição selvagem desta riqueza”, diz.
Até ao fim do ano, o espaço contíguo ao seu local de trabalho será transformado numa oficina aberta a quem quiser aprender a técnica da azulejaria e logo ali passar à prática, imaginando, pintando e cozendo o seu próprio azulejo.
Ateliê-Loja de Maria Caetano
Calçada de Santo André, 91