O ruído dos barcos no Tejo interfere com a reprodução do xarroco
ACTUALIDADE / AMBIENTE / CIDADE DE LISBOA / 8 ABRIL 2015
Texto: Rita Ponce Fotografias: Clara Amorim (1 e 2) e Fernanda Ribeiro (3)
Uma recente investigação revelou que o ruído dos barcos pode interferir na reprodução de um dos peixes mais abundantes no estuário do rio Tejo, o xarroco. O ruído dificulta que estes peixes oiçam as “sirenes”, os sons emitidos pelos machos para atrair as fêmeas e defender o território na época da reprodução.
O xarroco, Halobatrachus didactylus, é muito apreciado em Setúbal, mas pouco conhecido em Lisboa. É achatado, largo e com boca grande. No mercado da Ribeira nem todas as bancas o vendem. “Tenho quase todos os dias, mas vendo mais em caldeirada”, conta Rosa Cunha vendedora no mercado.
É uma espécie comum em Portugal nos estuários dos rios Tejo, Sado e Mira e também na costa algarvia. No começo da Primavera, iniciam a época reprodutiva. Os machos procuram um ninho de onde emitem sons (*) , muitas vezes formando coro com outros machos próximos, para atrair as fêmeas. Estas desovam nesse ninho e são os machos que prestam os cuidados parentais até os peixes juvenis terem vida livre.
Uma equipa de investigadores da FCUL, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e do ISPA-Instituto Universitário, que estuda a comunicação animal, descobriu que, em condições normais, a distância de percepção das sirenes varia entre seis a oito metros, mas na presença de ruído de barcos as sirenes só são correctamente recebidas a um máximo de 3,5 metros.
Esta redução da distância tem influência na reprodução da espécie, já que pode dificultar o encontro entre macho e fêmea. “Este impacto pode ser severo. Cada fêmea só desova uma vez por época reprodutora e, por isso, o encontro de um parceiro sexual é decisivo”, explicou Daniel Alves, um dos investigadores do projecto.
O xarroco não é a única espécie vocal. Diversas espécies de peixes para além de comunicarem através de sinais químicos e visuais, utilizam também a comunicação sonora. “A comunicação acústica é fundamental para a reprodução de muitas espécies de peixes, como, por exemplo, a corvina e o bacalhau. Por isso, é tão importante a questão do impacto dos ruídos provocados por humanos”, explicou Daniel Alves.
“Normalmente, pensamos que as aves, rãs e insectos são os únicos vertebrados que cantam, mas, na realidade, os peixes têm muito mais representantes vocais. Só não temos essa percepção porque não vivemos no mesmo meio e não temos os ouvidos adaptados para a audição no meio aquático”, explicou Clara Amorim, investigadora da equipa.
Embora pouco conhecido no mercado em Lisboa, é conhecido pelos pescadores. Vítor Raposo, pescador, apanha-o nas redes quase todos os dias. “Já começaram a aparecer…de Março até Dezembro, é comum apanhá-los. É a época deles”, explicou ao Corvo.
* Som emitido pelo xarroco: