O difícil ordenamento das hortas cabo-verdianas da Ajuda
Isidro Monteiro levantou-se cedo para tratar da sua horta urbana no Casalinho da Ajuda. “Logo às sete da manhã, para começar a tirar a pedra da terra. É tanta pedra que dá até para forrar a encosta da horta”, diz este cabo-verdiano de 74 anos, que trabalhou nas roças de São Tomé e na construção civil na região de Lisboa. A sua preocupação é que, após tanto trabalho na terra, a mesma lhe seja retirada. O que poderá acontecer após um eventual sorteio, que não teve lugar antes, por terem ocorrido ocupações dos talhões pelos residentes da zona.
Até lá, está na horta, por si trabalhada, num conjunto que envolve cerca de 20 outros “agricultores” de hortas urbanas. Está junto ao bairro do Casalinho onde reside uma importante comunidade de cabo-verdianos que ali foi instalada nos anos 60 em barracas de madeira para trabalhar na construção da atual ponte 25 de Abril.
Na sua maioria, trabalham na terra de cultivo juntamente com alguns portugueses, para sobreviverem, pois o sector da construção civil está praticamente paralisado, devido à actual crise económica.
Mas nem estas terras lhes dão segurança, pois a Câmara Municipal de Lisboa enfrenta dificuldades em ordenar o espaço e colocar infraestruturas no local, como é o caso das casas para guardar as ferramentas e os produtos. “Temos tido algumas conversas, mas ainda não conseguimos consenso para o ordenamento das hortas”, disse a O Corvo um técnico camarário, que solicitou o anonimato.

Isidro Monteiro confirma a necessidade do consenso. “Eles têm andado a falar com a gente. Querem colocar a água, definir o espaço das hortas e instalar as casinhas para as ferramentas, mas ainda não tivemos acordo. Mas, entre nós, temos as nossas hortas definidas e não existe problema. Os materiais são todos comprados por nós”, diz.
Neste processo, está igualmente envolvida a Junta de Freguesia da Ajuda, que tenta resolver um dos principais problemas: o facto de as hortas não terem sido sorteadas. “Vamos procurar uma solução para ultrapassar esta questão”, disse-nos a mesma fonte camarária ligada ao processo. Alguns dos elementos que têm a sua parcela de horta salientam que têm recebido o apoio do presidente de junta na resolução do assunto.
Na realidade, a autarquia já colocou infraestruturas de abastecimento de água (que não está ligada) e uma rede de arame para delimitar o espaço global de horta urbana. Nela, desenvolve-se a plantação de alguns produtos tradicionais de Cabo Verde, como o feijão pedra e congo, a mandioca, batata-doce e a couve, ingredientes básicos para cozinhar o mais tradicional prato de Cabo Verde, a cachupa.
A cana-de-açúcar também é outro dos produtos plantados. Alberto Lopes, outro dos agricultores das parcelas, também cabo-verdiano, avisa: “isto dá um belo grogue”.Trata-se uma bebida alcoólica tradicional que tem maior expressão de produção nas ilhas de Santiago e Santo Antão.
“Nós vamos cultivando estes produtos da terra e oferecemos às famílias e amigos que também estão em dificuldades”, explica Alberto Lopes, mostrando com orgulho alguns produtos que entram na confecção da cachupa. Alberto, que chegou a Portugal para trabalhar como operário na Refinaria de Sines, recebe hoje uma reforma por invalidez de 270 euros. “A horta é uma grande ajuda, pois sem ela ainda estaria em pior situação”.

Segundo dados retirados do site Prodata, em 2012, existiam em Portugal um total de 2.981.635 pensionistas da segurança social, dos quais 277.104 recebiam pensão de invalidez.
Na primeira metade do século XX, o Bairro de Casalinho da Ajuda era uma pequeno aglomerado habitacional, onde predominavam as hortas. Hoje, a horta urbana do Casalinho promovida pela autarquia é apenas um espaço residual perante o aglomerado de edifícios que tomaram conta de solos agrícolas.