“O Corvo” resolveu ir conhecer os ateliers de alguns artistas plásticos que vivem e trabalham na capital. Espaços privados onde nascem sorrateiramente criações que, depois, se tornam públicas. Quem entra neles espreita a alma de quem os habita.
Texto: Rui Lagartinho Fotografias: David Kong
Quando Ana Vidigal decidiu habitar o piso térreo de um prédio pertencente à sua família, em Alfama, não imaginava partir, um dia, à conquista do andar nobre. Mas quando, na viragem do século, a escola que funcionava no primeiro andar fechou, a artista não perdeu a oportunidade de passar a dispor de um espaço à sua medida.
Metade casa, metade atelier: “poderia ter escolhido trabalhar na parte da casa que está virada para o Tejo, inundada de luz e de barcos. Mas, francamente, achei a perspectiva entediante. Prefiro o lado que dá para a rua”, confessa-nos a artista.
Explique-se que esta não é uma rua qualquer. É uma espécie de Broadway de Alfama. Atravessa-se, serpenteando-a. Inclinada, ou não estivéssemos em Lisboa. Se a janela estiver aberta, entram os sons da aldeia, que, regulares, de acordo com Ana Vidigal, são o seu relógio: “Quando ouço até amanhã senhor Carlos, já sei que são sete horas da tarde, altura em que os comerciantes fecham as lojas e se despedem do alfaiate, que é sempre o último a fechar portas”.
No dia em que visitámos o atelier, uma enorme colagem preenchia na totalidade uma das paredes do espaço. A obra ainda está longe de estar terminada, mas o espaço em volta parece indicar o contrário. Tudo limpo e arrumado, pincéis lavados, tintas no sítio.
Quem persegue a ideia romântica de um atelier como espaço caótico, estereótipo do artista submergido em tempestades internas, pode ficar desapontado: “ A minha linha de trabalho é cirúrgica. Não consigo trabalhar com desarrumação. É a minha única exigência, que aliás é feita de mim para mim. De resto, trabalho em qualquer lado. Gosto de estar onde neste momento estou, mas se amanhã tiver que ir trabalhar noutro lado, adapto-me sem problemas.”
Tudo a postos para o dia seguinte de trabalho, que pode ser noite, se a artista lhe apetecer calçar as pantufas e quiser, de repente, vir perceber como é que a cola aplicada em cima de uma revista de arte dos anos oitenta do século passado está a secar.
Em Março de 2014, Ana Vidigal tem uma nova exposição individual de pintura na galeria Baginski.