A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) e a Câmara Municipal de Lisboa (CML) preparam-se para anunciar a criação de um sistema de equipas de biscateiros para darem assistência aos muitos idosos da cidade, sobretudo aos mais isolados. A rede deverá ser alicerçada num conjunto de indivíduos que realizarão uma série de pequenos trabalhos e arranjos em casa dessas pessoas e, ao mesmo tempo, servirão de estrutura de sinalização para os casos a necessitar de especial atenção pelos serviços de assistência social. Esta será uma das formas de combater os casos de isolamento extremo em que muitas pessoas de idade avançada vivem na capital.
“Estamos a tentar montar com a Câmara de Lisboa uma rede de cuidados à terceira idade, baseada num conjunto de biscateiros a recrutar localmente, nos diversos bairros, para podermos responder aos problemas que essas pessoas sentem no seu quotidiano. Serão uma espécie de ‘olharapos’, alertarão, sempre que necessário”, disse ao Corvo o coordenador do Programa Intergerações da Santa Casa, João Marrana, à margem de uma conferência sobre “Sustentabilidade Demográfica e Regeneração Urbana” da cidade de Lisboa, ocorrida recentemente, no Centro de Informação Urbana de Lisboa, em Picoas.
“Os modelos de intervenção para os idosos esgotaram. Temos que encontrar novas formas”, disse Marrana, durante a sua intervenção nessa conferência, onde se fez um relato muito pessimista, e até alarmante, da situação dos cidadãos séniores no maior aglomerado urbano do país. Ao ponto de, a dada altura, o investigador Jorge Malheiros, do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, ter deixado entender que existe uma cultura política de esquecimento deliberado dos mais velhos. “Olham para eles e, como não são jovens, nem empreendedores, e até porque vão acabar por morrer, resolve-se assim o problema. O sistema e as políticas vigentes acabam por aceitar e formentar isto”, disse.
Declarações que seguiram o tom geral de grande negrume em redor da condição dos idosos em Lisboa, e em que os intervenientes convergiram na necessidade de serem adoptadas medidas urgentes para contrariar um quadro considerado “dramático”. O vereador dos assuntos sociais da CML, João Afonso, disse mesmo que “os programas de apoio ao envelhecimento têm de ser repensados”. O autarca criticou ainda a Carris por, com os seus cortes em diversas linhas de autocarros, ter atingido a capacidade de deslocação e de autonomia dos mais velhos, em muitas áreas da cidade. O que contribui para aumentar o isolamento desta população, cada vez mais numerosa.
Uma crítica também feita por João Marrana, que lhe acrescenta o aumento das taxas moderadoras como motivo para sublinhar a solidão dos idosos – “para muitos, a visita semanal ao médico era uma forma de conviverem”. O responsável da Misericórdia de Lisboa considera que “as pessoas idosas estão especialmente indefesas”, dada a sua natural vulnerabilidade, a que se junta o facto de 21% delas – de acordo com o grande levantamento feito em 2012 pelas equipas do Programa Intergerações – estarem em situação de poderem ser consideradas “isoladas ou muito isoladas”. Muitas são até vítimas de abandono familiar. Além disso, há ainda o “aumento de casos de maltratos de idosos por parte de filhos que regressaram a casa dos pais, devido à crise”.
Texto: Samuel Alemão
Boa ideia