Medo ou cuidado no eléctrico 28?
REPORTAGEM
Carlos de António
Texto
Sofia Morais
Ilustração
VIDA NA CIDADE
Cidade de Lisboa
28 Novembro, 2014
Os turistas acotovelam-se em grupos cada vez maiores para arranjar lugar no mais icónico eléctrico de Lisboa. Tão famosos como as carruagens amarelas são os carteiristas que nelas embarcam. Um jornalista espanhol a estagiar no Corvo entrou no 28 e fez a viagem já avisado do que poderia encontrar. Sobreviveu para contá-la.
São 11 da manhã de uma qualquer quarta-feira e, como todos os dias, dezenas de pessoas fazem fila para viajar no eléctrico 28, um dos símbolos da cidade. Na fila, vêem-se pessoas de todo o tipo, mas pode afirmar-se que são turistas ávidos de fotografias ao percurso.
O eléctrico pára vazio diante de toda esta gente, na Praça de Martim Moniz, lugar do começo e do final do trajecto. As pessoas começam a empurrar-se, à procura de um lugar no interior do vagão. São comuns tais aglomerações de gente neste meio de transporte tão peculiar. Um ambiente perfeito para qualquer carteirista da cidade.
Não é de estranhar que apenas há algumas semanas tenham sido detidos vários destes “profissionais”, que chegaram a confessar ter roubado um montante superior a 18.000 euros.
O condutor espera que a lotação se complete para iniciar a viagem. O veículo acaba por ficar repleto. Na parte traseira do vagão, junto à saída, tem-se uma vista previlegiada do interior.
Uma vez lá dentro, alguns portugueses aceitam expressar as suas impressões sobre os carteiristas. É o caso de Pedro Ribeiro, de cerca de 50 anos, que explica ao detalhe como se organizam e levam a cabo estes roubos. “Assim que entram no vagão, hás-de ver como começam logo a observar atentamente os turistas incautos que olham pelas janelas. É como se vissem comida”, diz.
A sua técnica não passa pela actuação de um indivíduo isolado, mas de um grupo organizado que vai sendo montado dentro do veículo, pouco a pouco, em distintas paragens, normalmente compreendidas entre a Feira da Ladra e a primeira escala na Baixa-Chiado. À medida que o eléctrico avança, os ladrões vão-se colocando na parte final do vagão. É aqui que se aglomeram, junto a quem quiser abandonar o veículo – essas pessoas terão de passar pela sua “zona de influência”, tão estreita que facilita os roubos.
Os carteiristas fixam-se nos passageiros estrangeiros. Facilita a tarefa dos carteiristas a distracção com que eles viajam, focados que estão em não perderem pormenores do percurso. Além disso, costumam trazer objectos de valor, como câmaras fotográficas ou de vídeo, a que se junta uma mais que provável elevada soma de dinheiro.
Em cada paragem, aumenta o número de passageiros. Por cada um que sai, o seu lugar é rapidamente ocupado. O espaço acaba por não ser muito e as pessoas viajam sempre apertadas. O percurso através de ruas estreitas e passando por miradouros com vistas fantásticas não vê a sua beleza alterada pelo número de pessoas no seu interior. Mas converte-se num cenário propício aos furtos e aos objectos perdidos.
A pressa do turista em tirar fotografias e a determinação em seguir o seu grupo convertem-se num convite ao carteirista, que vê no estrangeiro a sua grande fonte de receita. “As pessoas não se dão conta de quão caras saem essas fotografias!”, comentaPedro Ribeiro.
Outra testemunha privilegiada é Dulce Araújo. Esta mulher, que tem entre os 50 e os 60 anos, conta um episódio por si presenciado durante as deslocações diárias em que fazia o percurso do 28, na zona da Graça – o que lhe conferiu um forte conhecimento dos carteiristas e da sua forma de operar.
Dulce diz ter visto como se compenetravam cinco destes ladrões, camuflados como turistas, para roubar a carteira do bolso de trás das calças de um homem. “O seu código consistia em dizer ‘Olha-me para este maricas!’, para que todos os seus comparsas soubessem que tinha a carteira no bolso de trás”. Depois, moviam-se de maneira coordenada e, uma vez a carteira nas suas mãos, iam passando-a uns aos outros, afastando-a da vítima.
Assim, na paragem seguinte, dois deles apeavam-se do veículo com a pecúnia. Ninguém se atreve a avisar a vítima por medo de represálias. “Vi como as pessoas que os denunciavam eram por eles amaeaçadas de morte”. Hoje, Dulce já não utiliza essa rota. “Viajva com medo”, afirma.
Apenas uma hora depois, o eléctrico detém-se na última paragem e todos os passageiros que chegam ao destino têm que abandonar o veículo. Os turistas voltam a pôr-se noutra fila para voltar na direcção oposta. E tudo volta a começar.