A autarquia permitirá aos mais necessitados que se abasteçam nas prateleiras da loja, sendo os pagamentos virtuais realizados através de um cartão especial ou de notas criadas para o efeito: os “santo antónios”. Cada cliente terá um plafond, que lhe será atribuído consoante a avaliação feita às suas necessidades. O projecto “Valor Humano” tem como objectivo devolver a dignidade às pessoas, diz o presidente da junta, Vasco Morgado.
Texto: Isabel Braga
Um supermercado onde o dinheiro não entra irá ser inaugurado, no primeiro trimestre do ano, em Lisboa, por iniciativa da Junta de Freguesia de Santo António. Será um estabelecimento inovador, que vai funcionar no edifício-sede da junta – situado junto ao Jardim do Torel -, e cujo presidente, Vasco Morgado (PSD), explicou ao Corvo como surgiu o projecto, intitulado “Valor Humano”.
“Alguém gasta um pacote de arroz todas as semanas? Na maior parte dos casos, não. Na minha casa, por exemplo, não se gasta, e somos cinco pessoas. No entanto, todas as terças, quartas e quintas-feiras, aqui na junta, é distribuído às pessoas carenciadas da freguesia um cabaz que inclui um pacote de arroz. Essas pessoas até podem necessitar de outros produtos, mas não lhes é dada oportunidade para escolher”, diz.
O autarca continua a explicar como vai funcionar: “Em vez de receberem um cabaz, as pessoas terão acesso ao supermercado e, aí, podem retirar das prateleiras os produtos de que necessitam. O pagamento é virtual, através de um cartão ou, para os mais idosos, de notas a que chamámos ‘santo antónios‘. Para se ter uma ideia do valor dessas notas virtuais, posso dizer que uma lata de atum ou um pacote de leite custam um “santo antónio” e que uma lata de farinha láctea custa dois”.
Vasco Morgado acrescenta: “As pessoas com acesso ao nosso supermercado estão devidamente credenciadas pelos técnicos dos nossos serviços sociais, recebem um determinado crédito mensal, que pode variar de acordo com as suas necessidades, e têm que gerir o ‘plafond’ que lhes foi atribuído”.
Nas prateleiras do estabelecimento, à disposição dos utentes, irão estar não apenas bens alimentares de primeira necessidade, como ainda fraldas, brinquedos e roupas de criança.
O supermercado será inaugurado no primeiro trimestre do ano, em data ainda não determinada, porque o espaço onde vai funcionar, na sede da Junta de Freguesia de Santo António, na Calçada do Moinho de Vento, ainda se encontra em obras. Estas decorrem a cargo do patrocinador da iniciativa, que Vasco Morgado não quis identificar. “O ‘sponsor’ pediu anonimato, para já”, sublinhou.
Com acesso ao supermercado solidário haverá 360 famílias da freguesia, num total de cerca de mil pessoas, número que, segundo Vasco Morgado, não se tem alterado “no último ano e meio”.
O presidente da junta explica que, na base desta iniciativa, está uma nova maneira de ajudar os mais carenciados. “Queremos acabar com a ‘sopa do Sidónio‘”, sublinhou, referindo-se, desta forma, à distribuição de alimentos aos pobres instituída em 1918 por Sidónio Pais, quando Presidente da República.
Sidónio foi acusado, na época, de ter institucionalizado a caridade como forma de adiar as reformas sociais que se impunham para melhorar as muito precárias condições de vida da maioria dos portugueses, então a braços com uma grave crise económica, social e política. A “sopa dos pobres” ou “sopa do Sidónio” foi a face mais visível dessa política, e permitiu granjear ao então presidente a fama de ser muito generoso e amigo dos mais desfavorecidos.
Vasco Morgado pretende, com o projecto “Valor Humano”, devolver a dignidade às pessoas carenciadas. “Essas pessoas sabem quais as suas necessidades e, agora, irão ter oportunidade de satisfazer algumas delas. Parece-me isto muito mais certo e respeitador da dignidade de cada um do que andar a distribuir cabazes de géneros iguais para todos. Daí o nome que demos ao projecto”.