Desconhecimento e desapontamento entre os moradores da colina de Santana
REPORTAGEM
João Pedro Pincha
Texto
Carla Rosado
Fotografia
VIDA NA CIDADE
Arroios
Santo António
20 Janeiro, 2014
“Isto é um país de doidos”. É assim que Fernando Dias, um lojista da Rua Dr. Almeida Amaral, a meio caminho entre os hospitais de Miguel Bombarda e Santo António dos Capuchos, resume a sua opinião sobre o anunciado empreendimento para a colina de Santana. De acordo com o projecto, os hospitais de São José, Santa Marta e Capuchos serão encerrados, à semelhança do que já aconteceu com o Miguel Bombarda e Desterro, para darem lugar a habitação e equipamentos hoteleiros. No entanto, no bairro, os moradores pouco ou nada sabem sobre a situação.
Numa frutaria da Rua Capitão Renato Baptista, a escassa dezenas de metros do antigo Hospital do Desterro, a clientela não esconde a surpresa quando confrontada com as ideias para a zona. “É uma miséria, vamos ter de pagar mais pelo táxi para ir ao médico”, diz uma cliente, que admite não saber de qualquer projecto. O Hospital do Desterro, ali perto, é agora usado como parque de estacionamento para os clientes da Cervejaria Ramiro, na Avenida Almirante Reis. Mas o seu destino poderá passar por se tornar um espaço cultural e de empreendedorismo, tal como a LX Factory, cuja empresa promotora gere, desde Maio do ano passado, o espaço do antigo hospital.
O Hospital dos Capuchos ainda recebe doentes e, por aqui, ninguém parece saber de qualquer encerramento. Carlos, empregado do bar da Liga de Amigos dos Utentes do Hospital, não quer acreditar. “Agora vêem-se coisas que uma pessoa fica admirada. Não acredito nisso. Já viu o que era de pessoas desempregadas?”, questiona. A mesma preocupação é partilhada por Rajnikant, dono de um quiosque mesmo em frente ao Hospital. “Há 30 anos que eu cá estou e oiço isso. Esta zona morre, perdendo os hospitais”, diz. Rajnikant assume que o seu próprio quiosque teria de fechar, mas, para já, não está preocupado. “Conversa da treta, não tem cabimento”, comenta. Mas avisa, logo de seguida: “Qualquer dia, Lisboa é uma cidade fantasma…”.

Mais contundente é o dono da Funerária Viúva Malheiro, na Rua de São Lázaro, perto do Hospital de São José e do Instituto de Medicina Legal. Com o encerramento destes equipamentos, o seu negócio, admite, ressentir-se-ia. “Qualquer dia, isto vai tudo para o fundo do poço e vendem tudo à China e à Espanha”, diz, entre sorrisos e encolhendo os ombros. Também ele não acredita que esteja para breve o fecho dos hospitais. “Ainda vai demorar uns anos, têm de construir o Hospital de Todos-os-Santos primeiro”, refere.
Em Julho do ano passado, Manuel Salgado, vereador do Urbanismo e então vice-presidente da Câmara de Lisboa, disse à Lusa que a reconversão dos quatro hospitais da Colina de Santana “serve para financiar o Hospital de Todos-os-Santos”, cuja inauguração esteve prevista para o fim de 2012, apesar de, até hoje, nenhuma construção ter sido ainda feita. Quando estiver concluído – a nova data apontada pelo Governo é 2017 –, o Todos-os-Santos substituirá seis hospitais do centro de Lisboa, antigos e de difícil acesso, como é o caso do São José.
Para Fernando Dias, é uma perspectiva irreal. “Não temos dinheiro nem para pagar aos credores, quanto mais construir hospitais.” Já para António Carinhas, dono de uma mercearia contígua ao Miguel Bombarda, a saída dos hospitais é uma boa notícia. “Não está mal, haver hospitais com melhores condições”, conclui.