Quando ocorreu o 25 de Abril de 1974, os instrumentos de planeamento urbanístico da Câmara Municipal de Lisboa (CML) já previam, desde há quatro anos, a construção de uma passagem pedonal entre a Avenida 5 de Outubro e a Rua Ivone Silva, nas imediações do Hospital Curry Cabral. Passado quase meio-século sobre o plano original, o assunto ainda está por resolver e será, mais uma vez, alvo de discussão na sessão desta terça-feira da Assembleia Municipal de Lisboa (AML). Em apreciação estará a proposta da CML de permutar um terreno municipal na 5 de Outubro por um prédio particular, situado nos números 203 e 205 da mesma artéria, para nele fazer a tal passagem.
À assembleia, o vereador Manuel Salgado, responsável pelo pelouro do Urbanismo, pede autorização para realizar a desafectação do domínio público municipal de um terreno com uma área de 1196 metros quadrados (m2) e uma edificabilidade de 6762 m2, para o trocar por um lote privado de 997,2 m2, com uma possibilidade de construção de 3901,89 m2. Uma edificabilidade que, neste terreno, não se deverá concretizar, pois a câmara quer ali fazer o prolongamento pedonal da Avenida António Serpa. A realizar-se tal passagem, estaria assim finalmente concretizado o previsto no “Estudo de Urbanização da Quinta do Ferro do quarteirão entre as Avenidas de Berna e 5 de Outubro”, aprovado na reunião de executivo de 13 de Julho de 1970.
A área do Campo Pequeno era, à época, uma zona em grande crescimento imobiliário, onde se consolidava a cidade moderna das “avenidas novas” e planeava uma expansão urbana de acordo com princípios mais contemporâneos – que já privilegiavam os espaços verdes e as ligações pedonais. Certo é que o processo se foi arrastando. Em 1981, a CML e a AML aprovavam o loteamento da Travessa Marquês Sá da Bandeira para servirem de mais-valia na permuta a realizar com os donos do referido prédio, identificado com os números 203 e 205 da Avenida 5 de Outubro. Mas nunca se passou do plano das intenções. “Por vicissitudes várias, a ligação entre a Rua Ivone Silva e a Avenida 5 de Outubro nunca foi concretizada”, considera Manuel Salgado, na proposta apresentada em reunião de câmara, a 11 de Junho de 2013.
Nesse documento, o vereador apontava como principal razão para tal situação o pedido de licenciamento feito, em 2001 – duas décadas após a permuta autorizada pelos órgão autárquicos e três décadas após o plano inicial -, pela empresa dona do prédio, a Gafeco – Sociedade de Construções, Comércio e Indústria, SA, para a reabilitação do edifício e sua reclassificação como hotel/residencial de três estrelas. Tal plano pressupunha a demolição integral do miolo do edifício, mantendo as fachadas e a volumetria de seis pisos, acrescentando três pisos de estacionamento subterrâneo. O processo foi aprovado em 29 de Outubro de 2003, pela vereadora Eduarda Napoleão, quando a autarquia era liderada por Pedro Santana Lopes.
Será neste terreno que, se aprovada a permuta, será criada a ligação pedonal.
O processo apresentado em 2001 viria, porém, a caducar em Novembro de 2005, “por falta de entrega dos elementos necessários à emissão da licença de construção pela requerente”. O que levou a empresa a apresentar novo pedido, em 2006. Na sequência do mesmo, foi pedido um parecer ao então Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), que veio a dar consentimento condicionado à operação – sobretudo pela proximidade à “moradia António Bravo”, de estilo art deco.
Aproveitando a luz verde do organismo da administração central à demolição da fachada principal do prédio – que ocorreu em 2009, por motivos de “segurança e salubridade” -, o Departamento de Planeamento Urbano da autarquia havia decidido, em 2007, repescar o plano original de 1970 para a construção de uma ligação pedonal. E entrou, por isso, em negociações com os donos do edifício – agora na posse da KR – Sociedade de Construções e Turismo, Unipessoal, Lda.
Foi desta empresa que partiu a proposta, agora em avaliação, de permuta do seu activo pelo terreno municipal onde quer construir um edifício de escritórios. A operação a ser votada hoje em assembleia municipal foi alvo de uma apreciação da Comissão Permanente de Ordenamento do Território, Urbanismo, Reabilitação Urbana, Habitação e Desenvolvimento Local, que mostrou grandes divergências sobre a mesma. O PSD diz mesmo que a proposta “não defende o interesse municipal, porque propõe a permuta de um lote municipal cuja edificabilidade o PDM fixa em 6.762,00m2 por um lote particular com uma edificabilidade de 3.006,80m2, não estando demonstrada a prossecução do interesse municipal”.
Uma apreciação semelhante à do Bloco de Esquerda, que defende que “a proposta deve ser devolvida à CML, atendendo a que a mesma não salvaguarda o interesse publico”. “A presente proposta desvaloriza propositadamente a parcela municipal para que a avaliação seja equivalente e a permuta se realize sem outras contrapartidas favoráveis à CML”, acrescenta o BE. Já os eleitos pelo PCP consideram que esta zona carece de uma visão de conjunto e de planeamento, exigindo a elaboração de um Plano de Pormenor que integre a proposta de construção prevista, com as contrapartidas e melhorias locais de interesse municipal a salvaguardar”.
Texto: Samuel Alemão