Se traçarmos uma bissetriz à baixa lisboeta que corresponda ao quadrilátero das ruas pombalinas, podemos dizer que a Casa Pereira da Conceição, a meio da Rua Augusta, está no centro do centro. E tem um horário peculiar.
O aroma do café que é moído a toda a hora chama-nos para dentro, há oitenta anos. Aos moinhos, a cuidar com esmero de cada grão do lote estrela da casa, o Pereira da Conceição – uma mistura de arábicas provenientes de São Tomé, Colômbia e Timor com um toque de grãos robusta -, está uma terceira geração familiar.
Margarida Pereira da Conceição lembra-se de ajudar o avô, o pai e o tio, as gerações que fizeram esta casa incontornável. “Já se viveram, na baixa, grandes levas de mudanças. Primeiro, foram os bancos que substituíram as lojas tradicionais de pronto-a- vestir, agora é o comércio mais virado para o consumo massificado dos turistas. Cafés todos iguais, lojas de recordações baratas. Uma baixa com menos alma”, nota.
Mas a Casa Pereira da Conceição continua a ter clientes fiéis que, em troca, são mimados com um atendimento personalizado. Duas cadeiras de tom cinzento suave, da cor dos móveis do estilo Luís XV, aguardam alguém mais cansado ou que queira pôr a conversa em dia. “Muitos dos nossos clientes não precisam de pedir, já sabemos o que gastam”, refere a proprietária, com orgulho.
As vitrinas brilham com um dos maiores sortidos de leques da capital, porcelanas finas para beber chá e caixas de bombons italianos decoradas ao estilo Belle Époque com as mais famosas óperas. Tudo chique a valer. Como quando a casa foi fundada, em 1933.
E uma curiosidade: como os proprietários parecem ser pessoas pragmáticas, quando o horário de trabalho dos funcionários do comércio foi reduzido de quarenta para trinta e seis horas semanais, a loja passou a abrir quarenta minutos mais tarde, o que faz com que, de segunda-feira a sábado, seja talvez a única loja na cidade que abre às 9h40.
Um preciosismo rigoroso e honesto, que combina bem com a qualidade dos cafés, chás e companhias que aqui se vendem.
Texto: Rui Lagartinho Fotografias: David Kong