São enclaves de resistência à massificação nos bairros populares de Lisboa. Nalguns casos, vendem pão aos mesmos clientes, há dezenas de anos. O Corvo foi conhecer algumas delas. E até encontrou uma dirigida agora por um natural do Bangladesh.
Texto: Rui Lagartinho Fotografias: Paula Ferreira
No número 32 C da Rua Carlos Mardel, mesmo em frente ao popular Mercado de Arroios, houve há dois meses uma passagem de testemunho importante. O padeiro que aqui oficiava há mais de cinquenta anos reformou-se e Ashim Kimer, um bangladeshi a viver há oito anos em Lisboa, habituado a gerir mercearias no bairro, mudou de ramo e exibe agora, orgulhoso, uma imaculada bata branca e um sorriso a condizer, sinais de que temos padeiro para as próximas gerações.
Na manhã em que o Corvo visitou a padaria do senhor Ashim, a clientela entrava já com o pedido na ponta de língua: um pão de Mafra, um Alentejano, seis bolas de mistura, seis carcaças ou papos-secos, como ainda ouvimos dizer. Muitos dos fregueses compram aqui há vinte, trinta anos. Enquanto houver o pão de que gostam e simpatia atrás do balcão, não tencionam mudar de hábitos e passar a comprar pão no “supermercado ou naqueles sítios que cozem pão a toda a hora.”
Ashim “ainda está a aprender a mexer-se neste novo ramo”, mas garante que a confiança da clientela “está ganha”. O antigo proprietário, que mora ali perto, ainda aparece de vez em quando para matar saudades.
No número 4 da Rua José Acúrcio das Neves, no bairro do Alto do Pina, a padaria e o restaurante em frente são os únicos estabelecimentos comerciais da rua. A hora do almoço aproxima-se, já quase não há pão, nem bolos de arroz ou queques. O único pastel de nata aterrado aqui às sete da manhã vive os seus últimos minutos de glória na montra.
Às cinco da tarde, quando a padaria reabrir após a pausa do almoço, há de novo pão quente e talvez notícias frescas do bairro por parte das vizinhas que aqui passam diariamente e que mantêm Maria Fernanda informada. Vende aqui pão há oito anos, antes esteve no bairro da Graça, noutro estabelecimento do grupo, que tal como a maioria das panificações da cidade distribui pão cozido a lenha por estes estabelecimentos.
Pão que dura “muito mais tempo” e “não faz uma bola de massa na boca”, como o que se compra por aí nessas “padarias modernas”, garante Maria Amélia Rodrigues, frequentadora do estabelecimento da Rua Francisco Sanches, 180, há mais de cinquenta anos. Estamos de novo no bairro de Arroios e esta terceira padaria que visitámos tem as marcas do ADN destes estabelecimentos: um balcão para o pão em mármore, papel pardo para embrulhar os bolos e um espaço exíguo onde os clientes se acotovelam mas não se incomodam.
O sábado de manhã é o dia de maior movimento. Nesse dia, garante Helena Rodrigues, enquanto despacha o reforço da encomenda do restaurante do lado, avia “500 carcaças e 400 bolas”, pois, já se sabe, “não há casa portuguesa sem pão” e o fim-de-semana longo não é excepção. Aqui, a última novidade, aprendeu O Corvo, são os Netinhos: um cacete de mistura pequenino e que é o contraponto geracional ao popular pão da avó. Uma inovação cozida a lenha, lentamente, pois quem compra por aqui aprecia esta noção de comer pão saboreando o facto de ter todo o tempo do mundo à sua frente.
Boa reportagem, parabéns!
Por alguma razão deram cabo da panibel
Já repararam que é quase impensável “debater” a cidade sem abordar o comércio ? São os mercados, são as padarias, são os sapateiros, são as lojas de tradição, são os barbeiros, são as lojas de café, chás, etc…, são, afinal de contas, todos “aqueles” que fazem as cidades viver e ser vividas !!!!! Bem hajam.
Parabéns pela reportagem
RT @ocorvo_noticias: As outras padarias portuguesas – http://t.co/wXbNd0SH8N
RT @ocorvo_noticias: As outras padarias portuguesas – http://t.co/wXbNd0SH8N