As mãos e os frutos
O Corvo retoma a sua série de reportagens pelos ateliers de alguns artistas de Lisboa, que publicara em 2013 e 2014. A nova exposição de Teresa Dias Coelho, “Mãos”, serve como pretexto para conhecer a oficina criativa desta pintora, instalada numa discreta rua de Campolide.
Quem gosta de se perder por Lisboa cedo descobre que a maioria dos bairros pode esconder uma vida no campo. Ruínas de outros tempos, à mão de semear. Basta cruzar os portões certos.
A primeira visita ao atelier da pintora Teresa Dias Coelho, situado numa rua discreta de Campolide, numa zona onde é visível a sombra de uma das Torres das Amoreiras, leva-nos nessa viagem no espaço e no tempo: estamos no que foi a cozinha de um palácio abastado do século XVIII.
Os azulejos azuis estão aqui e ali salpicados de peças de carne, porcos, aves, coelhos. De criação ou de caça. “Não costumo, mas, desta vez, para a exposição Mãos, tapei as paredes com panos brancos. Precisei de os esconder” explica-nos a artista.

No dia em que ali estivemos, as vinte e três pequenas telas viviam as suas últimas horas de atelier, antes de cruzarem a cidade para serem instaladas nas paredes da Galeria Monumental, onde a série Mãos pode ser vista até dia 20 de Fevereiro.
“Os meus trabalhos, aquilo que eu pinto, reflectem tudo aquilo que me ocupa o pensamento na altura. Desta vez, são mãos, um tema de que sempre gostei. Um pormenor em que reparo, quando vejo pintura em qualquer museu.”

Para exemplificar de onde chega a inspiração, Teresa mostra-nos algumas fotos de família, de tempos passados. São estas mãos que voaram da sua circunstância para aterrarem nestas telas. Românticas no sentido original da palavra, podiam muito bem ilustrar um liedde Schubert – daqueles em que as palavras andam de carrocel com a morte e que corporizam um tempo sem tempo, que é o que sentimos quando agora as observamos.

E é bom olhar para elas, baixar os olhos e apalpar os tubos de tinta utilizados, agora arrumados. Os nossos preferidos são os azuis, o ultramarino e o da Prússia, classificações que nos remetem para tempos de educação visual.
Apetece perguntar: O que foi feito dos nossos amores?
Está tudo arrumado, os pincéis limpos, as paletas raspadas. “Este é um tempo de que gosto. Onde, ao alívio, se sucede a nostalgia e há tempo para que a preguiça se venha instalar.” Mas controlada, acrescenta Teresa. “Venho ao atelier quase todos os dias. Este ano, isso aconteceu até no Natal e no dia de Ano Novo. O facto de morar aqui perto, poder parar ao fim da manhã para ir comer uma sopa a casa das minhas tias, que moram também no bairro, faz deste espaço o sítio ideal.” Os limites da aldeia da Teresa Dias Coelho, acrescentamos nós.
Um espaço onde se escuta a Antena 2, onde há livros, discos, filmes e que são eles outras forma de paletas que podem comunicar com as mãos da artista, inspirando o que pinta.

Quando damos um último olhar a estes pares de mãos, reparamos que numa das telas, aquela onde as mãos se reflectem na mesa, estão pousados meia-dúzia de pequenos paus. Teresa explica que piscam o olho ao filme de Alain Resnais “O último ano em Marienbad”. Entusiasma-se: “Lembras-te que, depois de vermos o filme, todos queríamos imitar o tal jogo com os paus, fósforos?”
Lembramo-nos, claro.
Podemos olhar para estas mãos neste Inverno e voltar na Primavera: de certeza que elas darão frutos.
Mãos
Pinturas a óleo de Teresa Dias Coelho
até 20 de Fevereiro
Galeria Monumental
mais informações www.galeriamonumental.com/pt