Para se gostar de uma cidade, é preciso conhecê-la e estar atento às suas grandezas e debilidades. Foi com esse espírito que 30 pessoas calcorrearam sábado o bairro de Alvalade, numa visita organizada pelo movimento Cidadania Lx, que assim quis assinalar o Dia Internacional de Monumentos e Sítios, celebrado a 18 de Abril.
No Bairro das Estacas, uma das células do bairro de Alvalade, há edifícios que já perderam as grelhas das fachadas e parecem pedir obras de reabilitação que garantam a perenidade do projecto de Rui de Athouguia e Formosinho Sanches – premiado em 1954, na Bienal de S. Paulo, de cujo júri fazia parte Walter Gropius.
Mais adiante, na Avenida de Roma, em ruína parcial e em vias de desaparecer, esventrado está o edifício da antiga piscina municipal do Areeiro, aguardando as obras a efectuar pelo consórcio espanhol que ali vai construir um estacionamento subterrâneo, antes de substituir o antigo equipamento público.
“Quisemos chamar à atenção para Alvalade, um bairro que é também património histórico, numa altura em que as zonas da cidade do século XX estão a ser suburbanizadas”, disse a abrir o encontro Paulo Ferrero, um dos mentores do Cidadania Lx.
A visita a Alvalade, que foi conduzida pela historiadora Sandra Vaz Costa, começou na Praça de Londres, local que, embora se situe já fora dos limites do bairro, está próxima dele e simultaneamente do Instituto Superior Técnico, instituição que teve como director Duarte Pacheco, o engenheiro que no século XX foi responsável pela política urbana.
“Porque a história do bairro de Alvalade começa antes do plano Faria da Costa (de 1945/1949). Nessa altura, já havia 20 anos de trabalho em cima”, disse Sandra Vaz Costa, referindo-se ao trabalho previamente desenvolvido por Duarte Pacheco para conseguir os terrenos onde haveria de ser erguida a urbanização pensada por Faria da Costa e hoje considerada “um caso paradigmático de crescimento urbano ordenado dentro da cidade”.
O bairro de Alvalade é um caso “quase ímpar de crescimento ordenado, porque nesta cidade a urbanidade é difícil de conseguir”, sublinhou a historiadora, ao falar da expansão da cidade, desde a Lisboa de 800 até ao século XX.
No plano de Faria da Costa, a par da construção de habitação e serviços, destinadas à classe média e alta da época, esteve sempre presente a preocupação de incluir equipamentos de desporto e lazer, bem como escolas públicas, primárias e secundárias.
O antigo Cinema Roma, uma obra projectada em 1952 pelo arquitecto Licínio Cruz, onde actualmente funciona a Assembleia Municipal de Lisboa, foi outro equipamento assinalado no passeio, em que Sandra Vaz Costa destacou “a linguagem nova, de arquitectura moderna” que caracteriza o bairro de Alvalade.
Outra paragem foi no cruzamento da Estados Unidos da América com a Avenida de Roma, onde são marcantes os quatro blocos de edifícios, erguidos de ambos os lados das vias, que, além de habitação, chegaram a prever incluir galerias comerciais nos andares superiores, uma ideia ousada, mas que acabou por não se concretizar.
Fachadas limpas, cujo ornamento é o vidro ou a grelha destinada à entrada de luz, surgem igualmente na Avenida dos Estados Unidos da América, onde a localização dos edifícios teve em conta a orientação dos ventos dominantes, como sucede no bloco projectado pelos arquitectos Joaquim Esteves e Maurício de Vasconcelos.
Menos brilho revela actualmente a escola primária do Bairro de S. Miguel, que foi projectada por Rui de Athouguia e a última paragem no passeio por Alvalade, em que Sandra Vaz Costa salientou as preocupações tidas em conta naquele equipamento à data da sua construção.
“Tudo foi pensado no programa arquitectónico desta peça, que foi também premiada: desde as entradas de luz com ajustamento de intensidade, à zona ampla de recreio, passando pela existência de galerias cobertas”.
Três dezenas de pessoas de todas as idades – jovens e velhos casais, crianças e antigos habitantes do bairro, bem como habitantes de outras zonas da cidade – participaram nesta iniciativa. Que para muitos foi uma lição, como foi o caso de um estudante de engenharia civil, que actualmente se prepara para o exame da cadeira de planeamento urbano.
O Bairro das Estacas, ontem visitado, precisa de algumas obras de manutenção
Texto: Fernanda Ribeiro Fotografias: Paulo Ribeiro (1) e Fernanda Ribeiro (2)