Crónica
Segunda-feira de manhã na Linha Azul. Ele – um preto de 20 e poucos anos com sotaque de Angola – vinha a jogar no telemóvel desde as Laranjeiras. Ela entrou na Praça de Espanha, uma branca da mesma idade, cabelos castanhos compridos, óculos escuros e dois ‘piercings’ no nariz. Cumprimentaram-se como os jogadores de voleibol, batendo a palma da mão uma contra a outra.
Não, ela não estava ’fixe’: tinha as amígdalas inchadas.
– Fui ao hospital na sexta-feira à noite, tipo pra ver o que era isto, tás a ver?
– Ya.
– Passei o fim-de-semana na cama. Só saí para ir carregar o telemóvel.
O cabelo e os óculos escuros tapavam-lhe metade do rosto. Sobressaiam os ‘piercing´, um em cada narina. Ele estava de casaco e gravata, sapatos engraxados, como um empregado de escritório. Ela vestia blue-jeans, com ténis amarelos sem meias, os tornozelos descobertos.
Saíram juntos no Marquês de Pombal.
“Piercing” no nariz significa “autoconfiança” e “irreverência”? Não interessa: a Linha Azul é a maior do metro de Lisboa – 13 quilómetros, entre Amadora e Santa Apolónia. Uma das estações do percurso, a Baixa-Chiado, fica a 45 metros de profundidade, outro recorde.
Uma pessoa mete-se no metro na Brandoa e, menos de meia-hora depois, emerge junto ao Cais das Colunas. No metro, a cidade está por cima de nós, como escreveu José Cardoso Pires; no Cais das Colunas, está atrás. É por aqui que o Tejo entra na Praça do Comércio, e vice-versa. A vista mergulha no rio, presa à esteira dos navios. Alguns navegam para a margem sul; outros vão para portos distantes, na costa do Atlântico, e até mais longe, rumo ao Índico e ao Pacífico. De vez em quando, passa um veleiro. Infinitamente grande e infinitamente pequeno, tudo junto, concentrado num cais.
O símbolo da Linha Azul é uma gaivota a voar. Está certo.
Texto: António Caeiro